O exercício da medicina no Brasil envolve não apenas competência clínica e dedicação ao cuidado do paciente, mas também a gestão de riscos jurídicos que se tornaram parte integrante da rotina profissional. O aumento expressivo de processos judiciais contra profissionais da saúde — com crescimento de 340% registrado na última década — representa uma ameaça concreta à estabilidade financeira e à continuidade das carreiras médicas. Um único episódio adverso, independentemente da existência de culpa comprovada, pode desencadear consequências patrimoniais e profissionais de longo prazo.

Panorama da Judicialização Médica no Brasil

Os dados revelam uma situação preocupante para a classe médica brasileira. Levantamentos recentes indicam a existência de mais de 570 mil processos judiciais em tramitação contra aproximadamente 560 mil médicos registrados no país. Esse cenário configura uma proporção de mais de um processo por profissional ativo, evidenciando que praticamente todos os médicos estão expostos ao risco de litígio durante sua trajetória profissional. As especialidades de ginecologia e obstetrícia, ortopedia e cirurgia plástica apresentam os maiores índices de judicialização.

As consequências patrimoniais decorrentes de processos judiciais são significativas. Sentenças condenatórias podem resultar em bloqueio de contas bancárias, penhora de imóveis, veículos e demais ativos financeiros do profissional. Mesmo médicos que atuaram de acordo com protocolos reconhecidos e boas práticas enfrentam custos elevados relacionados a honorários advocatícios, despesas periciais e custas processuais durante todo o trâmite judicial. De acordo com Gabriel Borduchi, especialista em Seguros de Responsabilidade Civil Profissional para médicos, da Borduchi Seguros, “a vulnerabilidade patrimonial decorrente de demandas judiciais representa risco concreto, capaz de comprometer patrimônios consolidados ao longo de décadas de trabalho em período relativamente curto”.

Fatores que Ampliam a Exposição ao Risco

  • Demandas judiciais por alegação de erro técnico: O sistema judiciário brasileiro permite que pacientes busquem reparação por danos alegados, mesmo em situações nas quais o profissional seguiu protocolos estabelecidos e condutas reconhecidas pela comunidade científica.
  • Sistema de responsabilidade civil subjetiva: Embora a legislação exija demonstração de culpa (negligência, imprudência ou imperícia) para configurar responsabilidade médica, o simples fato de responder judicialmente já gera impactos financeiros e emocionais substanciais.
  • Tendência de crescimento das demandas: O aumento progressivo do número de processos expõe médicos de todas as especialidades a riscos patrimoniais significativos, independentemente da comprovação de erro técnico.
  • Ausência de estratégias protetivas: Muitos profissionais ainda dependem exclusivamente de suporte institucional ou defesas trabalhistas, negligenciando a importância de mecanismos individuais de proteção patrimonial.

Especialidades com Maior Incidência de Processos

Ginecologia e Obstetrícia representam mais de 40% das ações judiciais movidas contra médicos no território nacional. Ortopedia e Traumatologia e Cirurgia Plástica ocupam posições subsequentes, demonstrando que procedimentos de maior complexidade ou com impacto funcional e estético tendem a gerar maior contestação judicial.

Estratégias Eficazes de Proteção Patrimonial

A mitigação de riscos associados à judicialização da medicina exige abordagem preventiva e estruturada. O reconhecimento tempestivo da exposição a riscos jurídicos, combinado com a implementação de instrumentos de proteção adequados, constitui estratégia fundamental para preservar o patrimônio profissional e familiar. A adoção dessas medidas deve ocorrer antes da instauração de processos judiciais, garantindo maior efetividade protetiva.

Seguro de Responsabilidade Civil Profissional: Instrumento Central de Proteção

O Seguro de Responsabilidade Civil Profissional representa o mecanismo mais eficaz para evitar que demandas judiciais comprometam integralmente o patrimônio construído ao longo da carreira médica. Essa modalidade oferece cobertura abrangente para indenizações judiciais, honorários advocatícios, custas processuais, despesas com perícias técnicas e toda a estrutura de defesa jurídica, desde a fase inicial até o encerramento do processo. A Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) classifica esse tipo de seguro como essencial para profissionais da saúde que atuam em consultórios particulares, hospitais e clínicas.

Medidas Complementares de Blindagem Patrimonial

  • Estruturação societária apropriada: A constituição de pessoas jurídicas específicas para o exercício da atividade médica e para a administração de ativos pessoais permite a separação efetiva do patrimônio profissional e familiar.
  • Consultoria jurídica especializada: O assessoramento de profissionais com expertise em direito médico e planejamento sucessório é fundamental para implementar mecanismos legais de proteção, como holdings patrimoniais e regimes especiais de propriedade.
  • Monitoramento contínuo do cenário jurídico: O acompanhamento sistemático das tendências jurisprudenciais e das inovações no mercado de seguros para profissionais de saúde é essencial para manter estratégias de proteção atualizadas.

Casos Práticos e Lições Aprendidas

Em decisões recentes de tribunais estaduais brasileiros, processos por alegados erros de diagnóstico foram julgados improcedentes após reconhecimento da ausência de culpa profissional. Contudo, mesmo nesses casos favoráveis, os médicos envolvidos arcaram com custos processuais, periciais e advocatícios durante períodos superiores a dois anos. Em outras jurisdições, processos com pedidos indenizatórios que alcançam cifras milionárias consomem tempo, recursos financeiros e energia emocional, mesmo quando existe fundamentação técnico-científica sólida para a conduta médica questionada.

Sustentabilidade Profissional Exige Gestão Preventiva de Riscos

O exercício contemporâneo da medicina no Brasil demanda não apenas excelência técnica e atualização científica permanente, mas também capacidade estratégica para gerenciar riscos jurídicos e patrimoniais. O crescimento exponencial de processos judiciais contra profissionais da saúde transformou a proteção patrimonial em requisito fundamental para a continuidade sustentável da carreira médica, independentemente do tempo de atuação ou da especialidade exercida.

A ausência de cobertura securitária de responsabilidade civil profissional expõe o médico a riscos patrimoniais evitáveis e potencialmente devastadores. O investimento em proteção jurídica e financeira adequada equivale, em importância, ao investimento em formação continuada e atualização técnica: constitui garantia de perpetuação da carreira e de tranquilidade para o núcleo familiar.

O próximo passo consiste em buscar orientação especializada, avaliar as opções disponíveis no mercado de seguros voltados para profissionais da saúde e implementar medidas preventivas antes da ocorrência de qualquer intercorrência. Proteger a trajetória profissional, o patrimônio e a estabilidade familiar com soluções especializadas e personalizadas é decisão estratégica que todo médico deve considerar prioritariamente.


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